Desporto

Carta aberta a Luis Rubiales que todos deviam ler

O escândalo que aconteceu após a conquista da Espanha, no Mundial de futebol feminino, continua a adensar-se. Depois do beijo na boca do presidente da Federação de Futebol de Espanha, Luis Rubiales, a uma jogadora, Jenni Hermoso, iniciou-se uma campanha para a destituição de Rubiales das suas funções. 

Porém, este recusou demitir-se e iniciou-se uma campanha contra a jogadora, ora por não ter reagido, no momento do beijo, ora por ter sido vista a sorrir após o incidente. Tudo isto num momento em que Hermoso tinha alcançado o melhor momento da sua carreira, como futebolista, e era campeã mundial. 

Luis Osório escreve agora sobre o assunto. Para o jornalista, é inaceitável o branqueamento que tem sido feito ao comportamento de Rubiales, já com culpas para a jogadora, inclusive de mulheres. Um texto sobre a polémica do momento, com as palavras sempre certeiras de Luis Osório, e que já se tornou viral e já conta com mais de mil partilhas.

“As mulheres que defendem Rubiales e o seu beijo de orangotango

1.

O mundo tem discutido o beijo do presidente da Federação de Futebol de Espanha a uma jogadora da seleção que acabara de se sagrar campeã.

Aconteceu há muitos dias e a minha ideia inicial era a de não escrever sobre o tema. Por ser demasiado óbvio, por muita gente o ter feito, por sentir que não iria dizer nada de novo.

Escrevo hoje essencialmente pela surpresa de muitas opiniões que tenho lido e ouvido…

Opiniões que desculpabilizam o beijo daquele homem àquela mulher:

– Por não ter importância, afinal foi apenas um beijo numa altura de justificada euforia.

– Por existirem inúmeros exemplos de beijos que não provocaram qualquer polémica.

– Que o mundo está louco.

– Que a jogadora só reagiu à posteriori e que não está inocente.

2.

Escrevo então.

Por me ter espantado o modo como se colocam as coisas. Como se o importante, o verdadeiramente decisivo, fosse analisar o caso em concreto, sem mais nada.

Isso não faz qualquer sentido.

Mesmo que a jogadora espanhola seja hipócrita, mentirosa e um mau-caráter, não faz sentido.

Mesmo que Rubiales estivesse eufórico e genuinamente feliz, mesmo que a tenha beijado por um acesso de uma felicidade transbordante, não faz sentido.

Mesmo que tenham existido 50 mil beijos anteriores, não faz sentido.

Mesmo que não tenha tido qualquer importância, mesmo que as próprias jogadoras se tenham rido uns minutos depois, mesmo que tenham reagido à posteriori, não faz sentido.

No limite, mesmo que Rubiales não seja um “machonito” forrado a testosterona e mesmo que a sua madrezita em greve de fome tenha razão, não faz sentido.

3.

O homem que beijou era presidente da Federação.

Beijou sem consentimento – e mesmo que tivesse sido consentido o beijo foi público e às vistas do mundo. Ele estava numa posição de poder e não podia abusar dessa posição de poder.

Não o podia fazer por uma questão de bom-senso, decência e respeito pelo país, instituição e jogadoras que representava.

O tema não é, nem nunca foi, se Rubiales merece ser preso ou se o beijo em si é relevante em comparação com tantas coisas mais relevantes.

O tema é que as mulheres continuam a ser abusadas sexualmente pelos homens – em Espanha, morreram no ano passado largas centenas de mulheres por violência doméstica.

E no mundo, segundo um estudo das Nações Unidas, sete mulheres e raparigas foram mortas por hora durante o ano de 2021. Sete mulheres por horas. 45 mil mulheres mortas por abuso de poder de homens despeitados que se habituaram a roubar beijos porque podiam porque eram fisicamente mais fortes.

No mundo, as mulheres continuam a ser pior pagas do que os homens. Continuam a ser ameaçadas todos os dias, a ser violadas em todas as esquinas e a pagar um preço por serem mulheres.

4.

Tu sabes.

Sendo homem ou sendo mulher, tu sabes.

Se tens filhas, sabes.

E se fores rapariga sabes que cada vez que vais à rua tens de aguentar olhares, línguas de fora, aproximações nos transportes públicos, perseguições, convites, mensagens.

Ser mulher não é um passeio no parque.

E muito se tem melhorado.

Muito mais do que há uns anos se poderia prever e o futebol feminino tem sido um bom contributo.

Espanta-me que nos argumentos se diga que foi um momento de vitória e euforia. Um argumento terrível por ser precisamente o contrário. Um presidente da Federação de Espanha deveria aproveitar a ocasião para glorificar as mulheres e a sua independência e liberdade, não para sacar um beijo e agarrar os tomates numa pose que replica as cenas de domínio dos orangotangos nas jaulas.

Espanta-me os argumentos.

E espanta-me ainda mais ver mulheres a defender Rubiales.

Não faz sentido.

Porque elas sabem o que és ser mulher.

Sabem o que é ser prejudicado por sê-lo”. 

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