Carta aberta a Rui Costa está a dar que falar

O jornalista Luís Osório escreveu, com o seu cuidado único com as palavras, uma mensagem a Rui Costa, presidente do Benfica, mas que não é sobre ele, mas antes sobre o que ele pode fazer.

O ‘Postal do Dia’ de Luís Osório é um pedido muito especial a Rui Costa, para um doente terminal, e que está a merecer o pedido de ação a muitas pessoas, desejosas de verem cumprido o sonho de Joca. Este pedido rapidamente se tornou viral e todos esperam que o Benfica possa realizar mais este sonho.

Conheça a história, nas palavras de Luís Osório:

“Se Rui Costa ler este postal um “miúdo” poderá sorrir nos dias que lhe restam

1.

Caro Rui Costa

Desculpa-me antecipadamente pelo tom informal, mas acredito que não me levarás a mal. Vi-te jogar tantas vezes, chorei quando tu choraste no único golo que celebrei contra o Benfica – inesquecível aquele princípio de noite quando marcaste na baliza que não imaginavas e desabaste a seguir.

Não consigo tratar-te por senhor ou por sr. presidente ou por você. Seria o mesmo que me virar para o espelho, ver-me na infância e juventude, lembrar-me de tanto do que me comoveu, de tantos momentos fundadores, e depois escolher a distância ou o formalismo no primeiro momento em que encontro um dos meus ídolos.

2.

Mas não te escrevo este postal para falar de mim.

Quero apresentar-te o Joca.

Sei bem que há um jogo importante, que todos estão concentrados na próxima quarta-feira, mas deixa-me partilhar contigo a história deste miúdo que partirá miúdo, tem essa particularidade essencial.

O Joca está internado e faz anos no próximo domingo, dia 13 de agosto.

Toda a gente nos Cuidados Paliativos do Hospital de São João de Deus, em Montemor-o-Novo, o trata como uma criança grande e todos preparam, cada um à sua maneira, uma surpresa.

Faz 49 anos e nasceu com o Síndrome de Down.

Nunca foi maltratado, pelo contrário. Na infância e adolescência a família e a terra souberam ampará-lo na sua diferença – na CERCI era o rei do baile, quando a música tocava parecia um bailarino profissional, dançava da primeira à última música.

Só sofria quando jogava o Benfica.

Aí ficava nervoso e em silêncio. Depois cada golo era o golo da sua vida, como se cada fim-de-semana encontrasse razões para acreditar que a felicidade era mesmo possível, cada golo do Benfica era festejado como se fosse o último, cada vitória um mar de felicidade que lhe durava até ao jogo seguinte.

Na Unidade de Cuidados Paliativos, o Joca tem o seu quarto forrado de posters, de camisolas e até a bolsa de higiene é vermelha.

3.

Meu caro Rui

O Joca está mesmo doente.

Foi-lhe diagnosticada uma Esclerose Lateral Amiotrófica que galopa no seu corpo e está a ocupá-lo rapidamente.

No próximo domingo festejará o seu aniversário e será um ponto final parágrafo, muito dificilmente terá outra oportunidade para soprar velas e receber os parabéns.

Há uns dias uma ambulância foi a Lisboa para que ele fizesse uns exames. Os enfermeiros pediram para que o carro desacelerasse quando passavam pela catedral, mas infelizmente não foi possível

Não podes imaginar o Joca.

Acho que imaginas.

Quando a ambulância o foi buscar estava com imenso medo.

Medo de não regressar.

Medo de morrer.

Medo de não ver o próximo jogo.

Sabes o que uma médica lhe fez para o ajudar a esquecer o medo?

Escreveu-lhe na mão o número 11 do Di Maria, o seu preferido. E foi para a palma da mão que foi olhando na viagem – a cada dúvida, a cada incerteza, a cada buraco na estrada concentrava-se no 11 e imaginava o Di Maria com a bola colada ao pé esquerdo no inferno da Luz.

Sei que estão focados.

Primeiro a Supertaça, depois o início do campeonato, é difícil.

Mas querido Rui Costa, o que é possível fazer?

Um vídeo da equipa ou uma mensagem do Di Maria?

Alguém poder ir a Montemor-o-Novo soprar as velas, alguém o ir buscar para ver um treino?

Não sei, qualquer coisa.

Sei que há muitos casos assim, que não é possível fazer tudo.

Mas o Joca…

…o Joca é mesmo um grande dançarino. Dança com a vida como se ela tivesse sido boa para si, dança como se o seu destino não o tivesse traído.

Como se o 11 do Di Maria o pudesse proteger de tudo.

Aceita o meu abraço, Rui.

Sei que és capaz de marcar mais este golo”.

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