Desporto

Carta aberta à seleção portuguesa de futebol feminino que todos deviam ler

Portugal estreou-se num Mundial de futebol feminino e foi um sucesso. As portuguesas caíram num grupo com as campeãs do Mundo, Estados Unidos, as vice-campeãs do Mundo, Países Baixos, e com o também estreante Vietname.

Num grupo tão difícil, em que a passagem estava vetada a apenas duas seleções, poucos imaginariam que as portuguesas se batessem, de igual para igual com todas as adversárias.

Apenas um golo sofrido, nesse primeiro jogo com os Países Baixos, na derrota por 1-0. Depois, uma vitória clara, por 2-0 sobre o Vietname, para terminar com esse empate com as norte-americanas.

Um empate num jogo de grande equilíbrio, em que Portugal jogou olhos nos olhos com uma das maiores favoritas à vitória final, e que ficou a poucos centímetros do apuramento, quando a bola de Ana Capeta esbarrou no poste, já nos descontos.

A equipa portuguesa deixou o país a apoiá-las e à espera de muito mais. O jornalista Luís Osório emocionou-se com a prestação das ‘Navegadoras’ e emocionou agora a todos, com as suas palavras sobre esta brilhante participação.

“Não sei se elas não conquistarão o mundial de futebol primeiro do que eles

1.

Quando era pequeno as meninas não jogavam futebol.

E as pouquíssimas que vi jogar, no recreio da escola, eram as “Maria Rapaz”.

O futebol não era para mulheres.

Aliás, elas nem sabiam distinguir o que era um “fora de jogo” – conhecemos as várias máximas, dogmas, preconceitos.

Mas hoje os meus filhos não põem em dúvida que as meninas podem fazer tudo o que quiserem, podem concretizar todos os objetivos que desejarem.

E um dia, mais cedo do que tarde, tudo será absolutamente normal – ninguém olhará de lado, ninguém sorrirá condescendente e a ninguém ocorrerá que houve um tempo em que ser mulher era apenas sinónimo de ser mãe e dona de casa, seja isso o que for.

2.

O que ontem a seleção nacional feminina fez ficará para a história.

Por ter sido mais do que um jogo de futebol, muito mais do que uma brilhante participação num Mundial, o que ontem aconteceu naquele empate milagroso (milagroso para os Estados Unidos, entenda-se) foi um grito coletivo, um desejo de ser mais, de ganhar lugar no mundo, de ser importante para que outras mulheres percebam que isto mudou mesmo, que não há limites para o sonho.

3.

Vi o jogo e nunca mais me esquecerei do que fizeram às bicampeãs do mundo, uma seleção americana presa numa teia montada pela coragem, pelo sacrifício e também pelo talento das portuguesas e do seu treinador.

E vi tanta coisa.

Elas a cantar o hino com uma emoção que lhes veio de dentro.

A Kika a encher o campo com a sua incrível genialidade.

Ou a Telma Encarnação no banco de suplentes, a esperar pela oportunidade de entrar, a remoer cada lance.

As duas extremamente jovens, uma de família rica e com pais e amigos presentes, a outra de uma família muito pobre de Câmara de Lobos e sem família na bancada. A parábola deste nosso Portugal desigual, mas unido num objetivo maior.

Ou as lágrimas dessa estrela que é Jéssica Silva. Se não fosse futebolista podia estar em Hollywood. E que jogadora é Jéssica, que magnífica jogadora, habilidosa, explosiva e com o coração nas mãos, as lágrimas que chorou na conferência de imprensa foram sublimes e convocaram as minhas.

4.

Ou o remate ao poste de Ana Capeta, alentejana que teve nos pés o paraíso. Não deixa de ser outra metáfora deste nosso país, quantas vezes a bola nos bate no poste quando já estamos a caminho de ser mais, de ser gigantes?

Ou a capitã Ana Borges, a mais internacional, a que começou a jogar quando praticamente não havia mulheres disponíveis para jogar. Pela sua cabeça é bem capaz de ter passado tudo; os campos sem condições e a ausência de público no início da carreira, as bocas das bancadas, o gozo dos homens, o preconceito e toda a evolução que foi feita até à manhã de ontem, na Nova Zelândia, perante mais de 40 mil pessoas, quando quase eliminávamos as campeãs do mundo.

Ou a Diana Gomes e a Carole, defesas duras e implacáveis.

Ou as magníficas Tatiana e Andreia.

Ou a guarda-redes Inês, corajosa e temerária.

Ou a hábil Catarina, a sábia Dolores e a rápida Diana Silva.

Ou as que ficaram no banco.

Todas.

5.

Eu não vi, não era nascido, o Campeonato do Mundo, de 1966, o primeiro em que Portugal participou, o da aparição desse monstro que o mundo conheceu pelo nome de Eusébio.

Mas assisti à estreia da seleção feminina, quase 60 anos depois.

Não foram às meias-finais, mas se aquela bola tivesse entrado, a que decidiu bater no poste, teria sido épico, um dos maiores escândalos da história do futebol feminino.

Não aconteceu, mas de resto tudo aconteceu.

A partir daqui não há caminho para trás.

E não tenho a certeza absoluta se as mulheres não serão campeãs do mundo de futebol mais depressa do que os homens.

Veremos.

Ah, e não posso deixar de te mostrar a prova de que, dentro da minha cabeça, o futebol feminino já é importante.

No final do jogo, sozinho em casa, disse mal do treinador português. Porque raio manteve uma avançada desgastada em jogo quando tinha a Telma ou a Capeta no banco?

É ou não é um sinal de evolução?

Acho que sim”.

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